Divagação sobre a (In)fidelidade

Pintura de Chistophe Vacher

Muitas vezes pergunto-me se sou fiel.

Ser fiel a Deus é honrá-lo sobre todas as coisas, cegamente, sem duvidar e sem questionar; é não matar, mas permitir que se abandone, com todo o respeito, o pai e a mãe velhos e doentes. Os virtuosos, que exibem o fato de marca no tapete vermelho da igreja, são falsos.


Ser fiel ao marido ou à esposa é não fazer amor com outra pessoa, mas sem culpa olhar com volúpia para o rabo bem feito do vizinho gingão, ou para as mamas esculturais da empregada da pastelaria.

Ser fiel aos ideais é não tocá-los. É não se afastar um milímetro do plano, mesmo que eles precisem de uma sacudidela para desempoeirar.

Ser fiel a um grande amor é não admitir que os grandes amores, podem não ser para sempre. É deixar-se envolver na teia até perecer de fome e sede.

A fidelidade é o outro lado da moeda do sentimento de posse. Se possuo, darei as minhas asas em troca. Assim, não poderei voar e ficarei limitada a um espaço bem delineado. Castrada. Não poderei ousar outros ideais.

Não gosto da palavra fiel. Não é humana. É um logro.

Quantas vezes o meu pensamento voa e projecta outra vida, outras experiências, outros mundos.
Quantas vezes o meu pensamento plana por aí e ousa outros toques, outros afagos, outros lábios.
Quantas vezes o meu pensamento voa e lança ao mar ideias velhas e bafientas.
Quantas vezes o meu pensamento voa e escolhe um trabalho árduo, mas mais envolvente e gratificante.

Será o pensamento a infidelidade?

Então, eu sou infiel.
Sou infiel a mim mesma, por não me afoitar a encontrar o caminho no labirinto dos meus sentimentos. Uma voz doce e paciente sussurra-me que eu o descobriria, mas é demasiado doloroso quebrar estas algemas.

Luísa L. 1985