5 de janeiro de 2011

As Ursas que Zeus pôs nos Céus

Ursa Maior

Não há constelação mais conhecida e de mais fácil localização que a Ursa Maior. E também não há constelação mais útil à orientação nos céus da Primavera.


A Ursa Maior é uma constelação bem conhecida. Mesmo os que têm dificuldade em se orientar nos céus reconhecem facilmente as sete estrelas brilhantes, que tão claramente desenham um quadrado e uma cauda. Essa figura é um asterismo — isto é, um agrupamento característico que não constitui uma constelação. A constelação é muito maior, estende-se por uma grande área do céu e inclui cerca de duzentas outras estrelas visíveis a olho nu, para além dos incontáveis corpos celestes localizados nessa região.

A figura geométrica é tão característica que praticamente todas as civilizações e culturas lhe deram um destaque especial.

Biga

Os chineses viam no asterismo das sete estrelas uma concha que oferecia comida nos tempos de fome. Chamavam-lhe «Pei to», o que significa concha medidora do norte. Os hebreus também imaginavam uma gigantesca concha que media as quantidades de cereal. Os povos germânicos viam uma carroça puxada por três cavalos, enquanto os britânicos imaginavam a biga (carro leve com duas rodas, puxado por dois cavalos) do Rei Artur.

Os egípcios, por seu turno associavam as sete estrelas à imortalidade. Visíveis durante todo o ano, essas estrelas representavam a vida eterna. Os sacerdotes utilizavam um cinzel mágico, retorcido, que reproduzia a forma do asterismo. Passando esse cinzel pela boca das múmias asseguravam o reviver das almas.

Artemis

Os gregos, como sempre, têm uma das lendas mais saborosas e aquela que mais marcou a divisão do céu em constelações. Zeus, o maior dos deuses e o maior dos pinga-amores, apaixonou-se por Calisto, a bela ninfa dos bosques, companheira de Ártemis, que tinha feito voto de castidade. «Vendo-a adormecida à sombra das árvores — escreve Maria Lamas em O Mundo dos Deuses e dos Heróis — Zeus ficou fascinado pela sua maravilhosa beleza e, para se aproximar dela tomou as feições da própria Ártemis[…] Calisto acolheu Zeus sem desconfiança; quando reconheceu o seu erro era tarde demais e concebeu dele um filho, que se chamou Arcas.» Hera, a ciumenta esposa de Zeus, ficou furiosa e castigou Calisto, transformando-a numa ursa. Calisto, irreconhecível, passou a deambular pelos bosques aterrorizando os mortais. Um dia, a ursa e Arcas encontraram-se. Calisto abriu os braços para acolher o filho mas este, julgando-se atacado pela gigantesca ursa, preparou-se para a matar. O dramático matricídio foi à última hora evitado por Zeus, que transformou Arcas num pequeno urso e arrastou mãe e filho para os céus. Hera, contudo, teve a última palavra. Empurrou os dois para perto do pólo norte aonde as estrelas são sempre visíveis — mãe e filho nunca terão descanso. Arcturo, a brilhante estrela do Boieiro ficou de guarda às ursas para que não se afastassem do gélido pólo. O vocábulo «Árctico», que significa «norte», e Arcturo têm a mesma origem grega.

Curiosamente, culturas tão distantes da grega como as ameríndias também relacionavam as sete estrelas com a figura do urso do norte gelado.

Ursa Maior e Ursa Menor

Os índios Cherokee viam as estrelas como um grupo de caçadores que perseguia um urso desde os princípios da primavera, quando estas estrelas estão altas no céu, até ao Outono, quando elas aparecem junto ao horizonte. Os Iroqueses do Sul do Canadá tinham uma lenda mais elaborada. A caça começava todas as primaveras quando o urso abandonava a sua toca, na Coroa Boreal. Só terminava no Outono e o esqueleto do animal ficava então de costas, no céu, até à próxima primavera, quando a caça recomeçava.

No tempo das Descobertas, os cosmógrafos e marinheiros chamavam «Carro» à Ursa Maior e «Buzina» à Ursa Menor. Este último asterismo não era constituído por sete estrelas, como modernamente, mas sim por oito, pois se lhe acrescentava uma outra estrela de quarta grandeza, que se vê prolongando as duas Guardas no sentido da Guarda dianteira. Camões refere-se explicitamente à lenda de Calisto e Arcas n’Os Lusíadas (V, 15).

Todas estas lendas reconhecem um facto importante sobre a posição da Ursa Maior e da Ursa Menor — é que essas constelações, estando perto do pólo, são sempre visíveis nas noites de quase todo o hemisfério norte. São por isso chamadas constelações circumpolares. O asterismo das sete estrelas da Ursa Maior, sendo claramente reconhecível, é de uma grande ajuda para nos orientarmos no céu. Prolongando cinco vezes as guardas da Ursa Maior — aprendemos na instrução primária — encontra-se a estrela polar, a estrela da cauda da Ursa Menor. Continuando outro tanto na mesma direcção encontra-se a Cassiopeia, outra constelação circumpolar. Prolongando em arco a cauda da Ursa Maior encontra-se Arcturo, a estrela mais brilhante da constelação do Boieiro. Continuando o mesmo arco encontra-se a Espiga, a estrela alfa da Virgem.

Galáxia M81

A Ursa Maior tem alguns objectos notáveis. Em boas condições de observação nota-se que a estrela do meio da cauda não é uma estrela mas sim duas. Os gregos e os árabes usavam essas duas estrelas como teste de visão. Quem não tenha visão de águia pode utilizar binóculos. A «estrela» da cauda imediatamente se divide em duas: as célebres Mizar e Alcor.
Estas duas estrelas não estão fisicamente associadas. A sua proximidade é aparente para observadores sobre a Terra, são chamadas binárias visuais. Mas um telescópio permite mostrar que Mizar, ela própria é um sistema binário, composto por duas estrelas brancas gémeas que se orbitam mutuamente.

Um outro objecto interessante da Ursa Maior é a galáxia M 81, que é facilmente visível em binóculos e que revela uma estrutura espiral com braços bem marcados. É um dos grandes espectáculos do céu em binóculos ou com telescópios modestos.

Texto de Nuno Crato

Sem comentários:

Enviar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...